Hoje, a Fabiana Baraldi, uma grande referência na área de Mídia e Publicidade para mim, fez um post intitulado “Barsa x Google x ChatGPT: uma revolução visceral”. Nele, Fabi provoca uma reflexão profunda sobre a evolução das ferramentas de pesquisa e seu impacto no pensamento humano. Essa provocação despertou em mim uma série de pensamentos que compartilho a seguir.
Quando criança, sendo parte da geração de 88, pensar era um exercício profundamente humano, quase um ato solitário. Era como resolver enigmas dentro de si mesmo. Para chegar a uma conclusão, uma ideia ou até uma piada espontânea, era necessário provocar o cérebro, explorá-lo como um território desconhecido. Cresci ouvindo que usamos apenas uma pequena fração de nossa capacidade cerebral – algo entre 10% e 20%, diziam. Embora essa ideia tenha sido amplamente debatida e, em grande parte, desmentida pela ciência, o fascínio por essa “terra incógnita” permanecia.
O cérebro, mesmo com os avanços da neurociência, ainda é um mistério. Sabemos que ele pesa cerca de 1,4 kg e consome aproximadamente 20% da nossa energia corporal em repouso, mas a maior parte de sua funcionalidade continua enigmática. Em muitos aspectos, ele é como o oceano: vasto, desconhecido e subexplorado. Estima-se que mais de 80% do oceano mundial permaneça inexplorado e mapeado apenas de forma superficial. Assim como nas profundezas marinhas, o cérebro guarda abismos que ainda não compreendemos – e que talvez contenham os verdadeiros tesouros da humanidade, como a criatividade, o senso lúdico e a emoção.
Com o tempo, no entanto, a tecnologia começou a emergir como uma extensão da mente humana. O pensamento, antes um esforço puramente individual, passou a ser mediado por máquinas. Lembro de um episódio marcante, ainda na escola, por volta da quinta série. Era um trabalho de geografia, e minha prima, que eu sempre enxerguei como alguém de uma esperteza quase brilhante – uma pequena gênio com o dom do humor e da sagacidade – tomou um caminho inesperado.
Na época, usávamos o site de buscas “Cadê”. Enquanto eu me dedicava a entender o tema e formular respostas, ela, com uma leveza que só crianças podem ter, digitou a busca, imprimiu a página com os resultados e entregou aquilo à professora como seu trabalho. Aquilo me fez rir, claro. Mas também me deixou intrigado.
Quero acreditar que ela, de alguma forma, havia feito um ato crítico, quase artístico. Um questionamento silencioso sobre o uso da tecnologia: por que pensar sozinho, se a máquina pode fornecer as respostas? Hoje, imagino que ela estivesse à frente de seu tempo, mesmo que, na prática, talvez não tenha percebido que o trabalho envolvia mais do que apenas entregar resultados crus. O exercício era olhar para aqueles dados, aprender com eles e transformar aquilo em algo único. Mas, para mim, ela sempre será aquela figura que, em sua aparente simplicidade, apontou para algo maior: a incorporação das máquinas como extensão do pensamento humano.
Hoje, ao relembrar aquele momento, percebo o quanto ele simboliza a transição de uma era. Naquele tempo, as máquinas nos ofereciam apenas suporte; hoje, com a inteligência artificial, elas não só buscam, mas interpretam, criam e até antecipam. Um projeto escolar não seria mais entregue com uma página impressa do “Cadê”. Seria gerado por algoritmos que montam apresentações inteiras, alinhadas e visualmente impecáveis.
Apesar disso, me pergunto: o que acontece com os abismos inexplorados do cérebro nesse processo? Será que estamos navegando demais na superfície, guiados por mapas digitais, enquanto deixamos de explorar nosso próprio oceano interno?
Neurocientistas apontam que a plasticidade cerebral – a capacidade do cérebro de se adaptar, mudar e criar novas conexões – é um dos recursos mais valiosos da mente humana. No entanto, essa plasticidade precisa de estímulos desafiadores. Se terceirizarmos o esforço criativo para a tecnologia, corremos o risco de subutilizar partes importantes do cérebro. Assim como no oceano, onde a falta de exploração deixa ecossistemas inteiros ocultos, o cérebro pode deixar de revelar seus segredos se não for estimulado de forma adequada.
Ainda acredito que a tecnologia tem um papel essencial. Ela é uma extensão, não uma substituição. É como um barco que nos ajuda a navegar, mas que nunca deve mergulhar por nós. As máquinas são ferramentas incríveis para expandir nossa capacidade, mas é em nossos abismos, naquilo que só nós podemos acessar, que reside o verdadeiro poder do pensamento humano.
Ao refletir sobre isso, concluo que precisamos equilibrar o uso da tecnologia com o exercício da mente. Explorar o desconhecido dentro de nós mesmos continua sendo um dos maiores desafios – e também uma das maiores aventuras. Porque, no final das contas, as sereias que habitam nosso imaginário não cantam para máquinas, mas para aqueles que ousam escutá-las com o coração.
Referências
- Post da Fabiana Baraldi no LinkedIn: https://www.linkedin.com/posts/fabibaraldi_barsa-x-google-x-chatgpt-uma-revolu%C3%A7%C3%A3o-visceral-activity-7275864304141160448-NP-y?utm_source=share&utm_medium=member_desktop
- Sobre o cérebro e a falsa ideia de usarmos apenas 10%: Radford, Benjamin. “Do We Really Use Only 10 Percent of Our Brains?” Live Science, 2013.
- Vale ver também esse conteúdo: https://jornal.usp.br/podcast/fake-news-nao-pod-70-usamos-so-10-do-nosso-cerebro/
- Dados sobre o oceano inexplorado: National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). “How much of the ocean have we explored?”, 2023.
- Mais uma fonte de reflexão: https://nautica.com.br/por-que-apenas-20-do-oceano-foi-explorado-ate-agora-entenda-as-dificuldades-do-fundo-do-mar/#:~:text=Por%20que%20apenas%2020%25%20do,dificuldades%20do%20fundo%20do%20mar

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