A Internet como o Quinto Poder: Uma Análise Atual

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Durante séculos, o mundo foi moldado por três pilares do poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Com a ascensão da imprensa, o jornalismo passou a ser considerado o quarto poder, responsável por fiscalizar, informar e influenciar decisões políticas e sociais. E, nas últimas décadas, vimos surgir um novo protagonista: a Internet.

A Internet possui a capacidade de eleger e destituir políticos, transformar empresas em líderes de mercado ou levá-las à falência, além de alterar a cultura e a forma como nos relacionamos com o mundo. Há gerações que tiveram que se moldar com a novidade. As novas, já nascem com ela. Vivem ela desde o berço. Nos dias atuais, por muitas vezes, uma pessoa que chega ao mundo é apresentada a Internet antes mesmo de ter seu nome registrado no cartório.

Sendo esse um espaço aberto, também surgem os movimentos nas redes sociais, que podem criar narrativas, viralizar causas e pautar discussões globais antes mesmo que os veículos tradicionais de mídia consigam reagir. Para dar um exemplo marcante, temos o movimento #MeToo.

Uma breve explicação sobre o movimento #MeToo: uma revolução digital

O #MeToo é um movimento contra o assédio e a agressão sexual que ganhou destaque mundial em 2017. Embora a expressão “Me Too” tenha sido utilizada inicialmente em 2006 pela ativista Tarana Burke para conscientizar sobre a prevalência da violência sexual na sociedade, foi em outubro de 2017 que o movimento se espalhou viralmente. Na época, a atriz Alyssa Milano incentivou mulheres que haviam sofrido assédio ou abuso sexual a compartilharem suas experiências nas redes sociais utilizando a hashtag #MeToo. Em poucas horas, milhões de pessoas ao redor do mundo aderiram, revelando a magnitude do problema e dando voz a vítimas que, até então, permaneciam em silêncio. Esse movimento não apenas expôs indivíduos poderosos, como o produtor de Hollywood Harvey Weinstein, mas também provocou debates profundos sobre a cultura do silêncio e a necessidade de mudanças estruturais na sociedade.

A estratificação da Internet como sociedade

Embora a Internet pareça um espaço aberto e democrático, na prática, ela se assemelha a uma sociedade altamente estratificada. Nem todas as vozes têm o mesmo alcance ou influência. Podemos visualizar essa estrutura em diferentes camadas:

01. Grandes Portais e Veículos de Mídia: Versões digitais da imprensa tradicional que ainda ditam parte das pautas, muitas vezes alinhadas a grandes corporações e interesses políticos.

02. Big Techs: Empresas como Google, Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), TikTok e X (Twitter) controlam a distribuição de conteúdo e definem o que aparece no feed dos usuários.

03. Grandes Influenciadores: Criadores de conteúdo que se tornaram marcas pessoais, com contratos milionários e influência comparável a celebridades tradicionais.

04. Micro e Médios Criadores: Influenciadores de nicho que formam comunidades engajadas e impactam diretamente o comportamento e consumo de seus seguidores.

05. Usuários Comuns: A maioria silenciosa da Internet, cujo alcance é limitado e depende das regras impostas pelas plataformas.

A promessa de que “qualquer um pode viralizar” é semelhante ao mito da meritocracia no mundo real: possível, mas não igualmente acessível a todos.

A Internet: território anárquico ou controlado?

Ao contrário dos outros poderes, a Internet não possui um presidente ou uma constituição única. Opera em um sistema aparentemente anárquico, onde qualquer pessoa pode se expressar. No entanto, essa liberdade é relativa. O filósofo Pierre-Joseph Proudhon, pioneiro do anarquismo, afirmava que “a liberdade não é filha da ordem, mas a mãe dela”. Em muitos aspectos, a Internet materializa essa ideia. Por outro lado, Michel Foucault argumentava que o poder não reside apenas em instituições formais, mas está distribuído em redes de controle e vigilância. Aplicando essa lógica ao mundo digital, percebemos que a Internet não é totalmente anárquica; há intermediários que regulam e moldam a experiência digital de forma muitas vezes invisível.

O Poder Invisível da Internet

Embora a Internet ofereça a impressão de liberdade, sua dinâmica é amplamente regulada. Um pequeno grupo de empresas e algoritmos decide quais conteúdos terão mais alcance, quais serão silenciados e quais desaparecerão sem deixar vestígios. Por exemplo:

Google e Bing: Determinam quais informações aparecem primeiro nas buscas.

Meta e TikTok: Controlam quais conteúdos se tornam virais e quais são barrados por diretrizes algorítmicas.

Amazon e Microsoft: Hospedam grande parte da infraestrutura digital global.

Assim, o que viraliza ou cai no esquecimento são decisões estratégicas tomadas por essas corporações, muitas vezes sem transparência.

A necessidade de regulamentar a Internet no Brasil

Dada a influência da Internet em eleições, discursos políticos e estabilidade econômica, surge a questão: como garantir que esse poder seja exercido de forma justa e equilibrada? No Brasil, debates sobre a regulamentação da Internet têm se intensificado, especialmente no combate à desinformação e ao discurso de ódio. O Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020) busca estabelecer regras claras para o funcionamento das plataformas digitais, exigindo maior transparência na moderação de conteúdo e no impulsionamento de publicações.

Entretanto, regulamentar a Internet sem incorrer em censura ou favorecer determinados grupos políticos é um desafio complexo. Países como China e Rússia adotaram modelos rígidos de controle digital, limitando a liberdade de expressão. Já a União Europeia, com o Digital Services Act (DSA), tenta equilibrar a responsabilidade das plataformas com os direitos dos usuários.

No contexto brasileiro, a regulação da Internet permanece em disputa. Setores da sociedade defendem um modelo que proteja a democracia e a qualidade da informação, enquanto grandes corporações digitais buscam minimizar impactos regulatórios que possam afetar seus lucros. O ponto central é: se a Internet é o quinto poder, ela precisa assumir responsabilidades proporcionais ao impacto que causa na sociedade.

A Internet emergiu como um poderoso agente de transformação social, política e econômica. No entanto, sua estrutura estratificada e o controle exercido por grandes corporações levantam questões sobre a verdadeira liberdade e democracia nesse ambiente digital. Portanto, é imperativo que se estabeleçam mecanismos de regulamentação que garantam transparência, equidade e respeito aos direitos dos usuários, assegurando que esse “quinto poder” atue em benefício de toda a sociedade.

Status da PL da Lei das Fake News: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944

Sobre DSA: https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/digital-services-act-package


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