Mensagem e mediações na era digital: uma ecologia da comunicação

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Nos estudos de comunicação, a mensagem historicamente ocupou o centro. Desde a tradição retórica até o modelo linear de Shannon e Weaver, a comunicação foi entendida como transmissão: um emissor envia um conteúdo a um receptor, e o desafio era minimizar ruídos e garantir clareza. Em muitos currículos universitários, a mídia, os meios e os processos que atravessam essa transmissão foram relegados a um papel secundário, tratados como instrumentos para veicular uma mensagem que, supostamente, era o objeto nobre de estudo.

Essa visão reducionista ignora um aspecto essencial: uma mensagem nunca chega “pura” ao receptor. Ela é moldada e ressignificada pelos dispositivos técnicos, práticas culturais e contextos sociais que compõem sua mediação. É justamente nessa dimensão que se encontra o cerne do estudo das mediações, campo consolidado desde os anos 1980 por autores como Jesús Martín-Barbero, e que foi antecipado por Marshall McLuhan ao afirmar que “o meio é a mensagem”. Para McLuhan, o conteúdo transmitido não pode ser separado do meio, porque a própria tecnologia de circulação reorganiza sentidos e experiências.

Martín-Barbero, em De los medios a las mediaciones, mostrou que a comunicação não se explica apenas pelo que é transmitido, mas pelos rituais, práticas culturais e contextos cotidianos que moldam a recepção. Silverstone, por sua vez, analisou a vida doméstica e as rotinas do consumo midiático, revelando que as mensagens só ganham sentido no cotidiano das pessoas. Canclini destacou como a cultura híbrida e os fluxos de consumo também atravessam e transformam as mensagens.

Essas bases teóricas permanecem fundamentais. No entanto, a comunicação digital acrescentou novos níveis de mediação:

01. Algoritmos que decidem o que o usuário verá em feeds, notificações ou recomendações;

02. Plataformas que fragmentam, reorganizam e priorizam conteúdos;

03. Economia da atenção, que transforma a forma como mensagens são consumidas, interpretadas e compartilhadas;

04. Inteligência artificial, que hoje participa ativamente da produção, curadoria e personalização de conteúdos.

Nesse contexto, a mensagem não é apenas um signo ou conteúdo, mas um elemento atravessado por sistemas tecnológicos e sociais que redefinem seu alcance, sua interpretação e até sua própria forma.

Não se trata de disputar qual é mais importante, mensagem ou mediação, mas de integrar ambos como dimensões inseparáveis de análise. A semiótica nos oferece o arcabouço conceitual para isso: toda comunicação é produção de sentido, e o sentido emerge da interação entre o conteúdo e o ecossistema que o sustenta.

Um exemplo contemporâneo: um anúncio de marca.

01. No plano da mensagem: cores, imagens, narrativa, metáforas.

02. No plano da mediação: plataforma de veiculação, algoritmo que segmenta público, momento do consumo, interações do usuário (curtidas, comentários, compartilhamentos).

O mesmo anúncio pode ser lido como eficaz, irritante, humorístico ou irrelevante, dependendo da articulação desses dois polos.

Exemplos práticos

01. Publicidade digital

Campanhas que circulam em feeds de Instagram, TikTok ou YouTube não são apenas mensagens, são experiências mediadas por algoritmos e formatos interativos. Um meme ou story viral pode gerar mais impacto que anúncios de grande orçamento, justamente por conectar mensagem e mediação de forma orgânica.

02. Audiovisual e streaming

Assistir a um filme no cinema nos anos 1980 era experiência coletiva. Hoje, no streaming, a narrativa pode ser pausada, acelerada, comentada em redes sociais. A mediação digital transforma não apenas a experiência de consumo, mas a própria interpretação do conteúdo.

03. Jornalismo em redes sociais

Uma notícia circulando em plataformas digitais enfrenta filtros algorítmicos, comentários públicos e memes. A mensagem jornalística não existe isolada: ela é co-produzida e remodelada pelo ecossistema de mediações que atravessa.

04. Produção com IA

Hoje, a própria criação de conteúdo pode ser mediada por inteligência artificial: textos gerados por ChatGPT, imagens de Midjourney ou recomendações de playlists moldam a forma como o público percebe e consome uma mensagem. A mediação passou a participar da construção da própria mensagem.

Para profissionais de comunicação, a atualização conceitual é estratégica. Criar conteúdo relevante exige entender tanto a potência simbólica da mensagem quanto as mediações que determinam seu alcance, interação e ressignificação. Não é apenas questão estética ou persuasiva: envolve design de experiência, compreensão de algoritmos, análise de dados e antecipação de comportamentos culturais.

Além disso, surge um desafio ético: mensagens que circulam mediadas por algoritmos invisíveis podem gerar impactos imprevistos, reforçar bolhas ou enviesar interpretações. A integração entre análise teórica e prática de mercado torna-se fundamental para criar estratégias comunicacionais responsáveis.

Mensagem e mediações formam uma ecologia inseparável. A comunicação não se esgota nem no conteúdo nem nos dispositivos, é a interação entre ambos que produz sentido. Colocar a mídia e suas mediações no centro do debate contemporâneo significa:

01. Reconhecer a tradição acadêmica (McLuhan, Martín-Barbero, Silverstone, Canclini) como fundamento;

02. Atualizar a análise para a era digital: algoritmos, plataformas, economia da atenção, IA;

03. Integrar teoria e prática, criando estratégias de comunicação conscientes, éticas e eficazes.

A pergunta que permanece, mais atual do que nunca, não é qual é mais importante: mensagem ou mediação, mas:

Como podemos compreender, projetar e interpretar a comunicação como um fenômeno semiótico integrado, atravessado por sentidos, técnicas, cultura e tecnologia?

É nesse diálogo que a comunicação se revela em sua plenitude: não apenas como transmissão, mas como produção de mundos, ecos e experiências.


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